O Curandeiro Chopp
“A…a…Aquele lugar era… assustador!”, dizia o amendrontado camponês da Vila Velha. “Havia um pedestal, água e uma porta que mais parecia que era uma caveira que estava de boca aberta… eu, eu, eu não quero mais voltar para aquele lugar! Por favor, não me mande de volta para aquele lugar!”, suplicou o camponês aos guardas.
Afligido, os guardas o levaram para o curandeiro, para saber se algo poderia ser feito para que seu pânico acalmasse.
“É, ele está sobre efeito do choque que tomou”, diagnosticou o curandeiro.
“Mas há algo ali que possa ser realmente assustador, pois, eu nunca vi na minha vida um susto igual a esse!”, continuou.
Os guardas, não querendo muito papo, logo estavam saindo da casa do curandeiro, quando o mesmo os parou:
“Calma aí, meus senhores. Com todo respeito, como disse, ele está muito assustado. E pelo que sei, ninguém vai naquela caverna por anos! Por qual motivo enviaram… ele?” indagou o curandeiro, apontando o camponês que estava branco de susto, seus olhos esbugalhados e sua respiração ofegante.
“Não é por nada, mas, olhem para ele.. É um franzino rapaz! Acho que nunca havia entrado em uma caverna! Podem me esclarecer o que realmente aconteceu?”
Os guardas hesitaram por um instante. Olharam para o pobre camponês, e um dos guardas se manifestou.
“Precisávamos do melhor camponês para poder investigar o que estava acontecendo por lá. De fato, algo estranho está acontecendo, e nós não sabemos o que é. Por isso, decidimos escolher o melhor camponês, mas… esse foi o melhor de todos. Se esse foi o melhor de todos, imagina o pior? Não sabemos o que vai ser daqui em diante. Com licença.”
O curandeiro, irritado com a informação, gritou para o guarda que já estava fechando a porta:
“VOCÊS TERIAM QUE TER IDO! ISSO FOI COVARDIA! COVARDIA!”
Ansioso e exausto, o curandeiro sentou na beira da cama onde o camponês estava tentando sair de sua onda de choque. Olhou para o camponês e se dispôs a descobrir o mistério que cercava a caverna. Determinado, o curandeiro deu mais um gole do chá de camomila para o camponês, pegou sua bolsinha com suas melhores ervas medicinais e pediu para o camponês tentar descansar.
“Já que os guardas não vão resolver, eu vou!”
Seu nome era Chop, o melhor curandeiro que já existiu na vila. Seus poderes de cura eram bem vistos por todos, e periodicamente recebia visitas, mesmo quando os moradores não estavam doentes.
Então, Chop seguiu em direção á caverna. De longe, sentiu uma energia muito forte e intensa que estava pairando no ar. Ele também não sabia o que esperar vindo de dentro da caverna, que por anos fora abandonada.
Chegando na entrada da caverna, um vento gelado o pegou de surpresa.
“Não é possível, está um dia lindo dá fora!”, se questionou. Porém, ele sabia que não poderia esperar que aquela caverna estivesse tão agradável como a entrada
de uma taberna em dias de calor.
Finalmente, Chop encontrou o lugar na qual o camponês havia descrito. De fato, era um lugar sombrio, mas muito bonito. A água era cristalina, o pedestal fora feito manualmente, com detalhes minuciosos em sua base.
Logo a frente, se encontrava a entrada descrita pelo camponês. A bocarra da caveira fora esculpida com pedras que só era encontrada na caverna.
Chegando mais perto, Chop percebeu que a entrada estava cercada por muita teia de aranha. Retirou as teias do jeito que pôde, e continuou a entrar.
E cada vez mais que ele avançava, mais frio ele sentia.
“Como ousa perturbar meu sono, caro cavalheiro?”
Chop congelou com a voz vindo de mais adentro da caverna. Era uma voz doce, suave e ao mesmo tempo, forte. A voz de uma mulher, que era claramente encantadora.
“Não, minha senhora, não quero interromper o sono de ninguém! Me perdoe!”, disse o curandeiro já muito amedrontado.
“Pois bem, meu caro, sinto que sua real vontade não era essa. Porém, já estou acordada, e você não foi o primeiro a despertar meu sagrado sono. Hmmmm… o que farei com você, corajoso e misterioso cavalheiro?”
Nesse momento, Chop derrubou sua bolsinha com suas ervas medicinais e tentou sair correndo, e disse:
“Senhora, não me faça nada! Não vim aqui para nada, só vim… só queria saber o que estava acontecendo! Agora, preciso voltar para minha casa, pois há pessoas me aguardando!”
Chop chegou perto da entrada cheia de teias, e percebeu que a porta estava fechada.
Ele estava preso. Seu coração apertou e seu corpo estremeceu.
A voz ressurgiu:
“Ninguém irá sair daqui agora, meu caro. Agora, você será meu!”
Chop se encolheu perto da entrada da caverna. Estava terrivelmente amedrontado e arrependido por estar ali. Por mais doce que a voz pudesse ser, ela era fria e assustadora ao mesmo tempo. Ele olhou para cima e percebeu que a caverna havia sido feita dentro do pântano. Árvores e galhos disputavam espaço onde provavelmente deveria aparecer o céu.
Mas estava escuro, nenhuma fresta de sol, nenhuma brisa vindo de lá.
“Provavelmente a moça não gosta muito de tomar um sol”, pensou.
Porém, seus pensamentos foram despertados por um estalo logo a sua frente.
Onde não se via muita coisa, algo estava se movendo. Ele avistou a frente sua bolsinha de ervas, caída do chão, quase se camuflando com as folhas que se desprenderam das árvores acima de sua cabeça.
Tentou engatinhar para buscar seus pertences, porém, a voz se manifestou:
“Mas ora, achei que trouxesse essa preciosa bolsinha como presente para mim… Não? Dessa forma você vai me deixar muito angustiada…”.
Chop percebeu que a voz estava cada vez mais próxima e nítida, e tão assustadora quanto antes. Ele percebeu que sua voz não tinha forças para formular uma frase sequer. Estava tão assustado que não conseguia nem pensar no que fazer.
Porém, ao mesmo tempo, a voz despertou nele um profundo desejo de saber de quem a pertencia. Estava encantado, ansioso. Poderia imaginar quem estava por trás daquela voz. Ele a via naquele momento em sua mente, tão bela e tão graciosa.
“Está gostando do que vês? Hahaha… Pois, que tal ver pessoalmente?”.
A bela voz estava tão próxima que Chop realmente achou que ouviu a frase sussurrada no seu ouvindo.
Então, algo estava se aproximando dele. O ar que pairava dentro da caverna estava pesado, mas Chop não se importava naquele momento.
O curandeiro nunca tinha visto uma moça tão bela na vida. Arregalou os olhos, mas dessa vez, pela admiração com o que estava a sua frente.
A moça tinha lindos cabelos negros como a escuridão da noite, a pele muito branca e reluzente, parecia pura, intocável. Seus olhos verdes se misturavam com o verde das folhas ao redor da caverna.
Chegando bem perto do curandeiro, ela disse:
“Não tem problema que você me tirou do meu profundo sono, afinal, você veio aqui para me salvar e me tirar daqui, não é mesmo?”
Chop estava completamente encantado.
O perfume que a moça exalava, o seu olhar tão fixo no olhar dela.. Ele só conseguiu dizer um “sim”, com a voz bem fraca. Sua mente estava distante, tão longe, que ele sequer estava compreendendo o que estava acontecendo. Enquanto a moça falava docemente perto de seu ouvido e acariciava seus cabelos maltratados e oleosos, Chop conseguiu ouvir, mas com muita dificuldade, gritos vindo de dentro da caverna:
“SUCUBOOOO! Descobrimos a origem do monstro! Corram!!”.
Eram os guardas, que outrora estavam evitando ir até lá.
A moça empurrou Chop, que caiu sentado no chão. De seus cabelos negros brotavam grandes chifres. Suas vestes desapareceram por completo. Ela gritava muito alto, tentando assustar quem estava por ali. Chop tentou defendê-la, mas um dos guardas o segurou:
“Ele está enfeitiçado! Matem a criatura! Antes que ela aniquile mais dos nossos homens!”.
Houve uma grande agitação naquele momento. A Sucubos saiu em disparada para matar a sangue frio os guardas que estavam empunhando suas respectivas espadas.
Enquanto isso, Chop estava se sentindo fraco e abatido, como se sua energia vital tivesse sido tirada de sua alma, seu coração batia lentamente, e de sua cabeça um rastro de sangue escorria para seu rosto. Por pouco, Chop não iria ser mais um homem morto pela monstruosidade que a Sucubo era.
Alguns dos guardas ainda estavam se mantendo em pé, outros estavam já caidos no chão, feridos pela fúria do monstro. A cada ferimento de espada que ela ganhava, era um grito de fúria e dor. Ela corria para perto dos guardas e, na tentativa de encantá-los, recebia golpes. Ela revidava, arrancando como se fosse uma fera a pele do rosto dos guardas, com unhadas e socos que iriam além da força de qualquer humano. Muito sangue já havia sido espalhado por aquela caverna.
Chop estava começando a voltar a realidade, quando olhou para mais fundo da caverna. Corpos de homens que já haviam sido enfeitiçados pela beleza e pela luxúria do monstro estavam mortos. Se virando para os guardas, ele se sentiu fraco por ter caído no feitiço da bela moça, que de moça, só tinha o corpo, tão escultural. Ele sabia do que se tratava uma súcubo, sabia do que tais monstros eram capazes.
“Como pude?”
Então, ele sentiu que a raiva estava dominando seu corpo. Avistou um guarda no chão, agonizando de dor, e pegou sua espada emprestada por alguns momentos. Enquanto o monstro estava desviando de golpes e batendo em um dos guardas, Chop corajosamente levantou e infincou a espada de prata no meio das costas do monstro.
Ela parou instantaneamente de brigar com os guardas, caindo lentamente de joelhos no chão. Chop largou do punhal e, aterrorizado por ter matado algo pela primeira vez na vida, pode ouvir a última frase da moça, que nesse momento, não era mais uma voz doce, e sim, uma voz que oferecia muito perigo:
“Eu sabia que você iria me salvar. Sabia… “.
E por fim, ela caiu com a espada infincada em seu peito. Seu sangue muito vermelho escorria pelo chão. Chop percebeu que a energia pesada e o frio que a caverna oferecia havia ido embora. O monstro estava morto, e Chop sabia que após esse dia, ele teria muito trabalho a fazer, pois haviam muitos guardas feridos pela caverna.
Não é preciso falar que depois desse dia, o curandeiro ficou famoso até mesmo no reino mais próximo da cidade. Ele até foi chamado para ser curandeiro do rei, mas ele preferiu ficar na sua pequena cidade, na qual foi considerado e tratado como um herói.