O Vento e as Flores
Ilustração feita pelo Anão Nórdico @de.marcoo
Andando pelas ruas da cidade, ela percebia os olhares que a julgavam mentalmente. Lentamente, ela ia de um lado para o outro da viela, tentando buscar algo que a consolasse.
Nada. Nem ninguém.
Ela era uma feiticeira não muito adorada – afinal, feiticeiras deveriam ficar longe da cidade – e todos achavam que, apenas ao tocar na feiticeira, todos ficariam envenenados. E estavam muito enganados, como estavam…
Ela costumava ser de uma aparência muito boa, seus cabelos sempre limpos e sedosos, suas vestes nunca foram de trapo. Mas o pessoal da cidade sempre achava que aquilo era fruto de seus feitiços e bruxaria. Não era.
E então, ainda vagando pela cidade de forma praticamente invisível, ela se lembrou de tempos atrás, com muita dor no coração e saudade, de quando conheceu um camponês que não teve medo de tocar nela.
Ele era muito gentil e muito educado, acreditava que ela não era o monstro que todos achavam que era. Eles se uniram e foram viver longe da cidade, numa casinha pequena, mas o suficiente para ambos viverem aconchegantes, cheios de amor para dar um ao outro. Acontece que o pessoal da cidade descobriu que o camponês estava vivendo com a feiticeira.
E então, os homens do rei foram até a casa na qual viviam juntos, felizes e tranquilos.
Jurando de joelhos, o camponês afirmou que amava verdadeiramente aquela bela e jovem feiticeira, que não havia sido envenenado, enfeitiçado ou ter sido alvo de um trabalho de bruxaria. Era real e verdadeiro. Os soldados, não acreditando na súplica do camponês, deceparam sua cabeça e disseram: “Agora ele não viverá mais de feitiçaria, bruxa imunda! E você voltará conosco para a cidade, para todos verem o quanto você é monstruosa! ”.
Em lágrimas, a feiticeira fora amarrada pelos braços e fora levada a força para a cidade. Os homens a jogaram no chão, na entrada da cidade, dizendo que ela deveria se virar para viver a partir de agora. Olhando ao longe, a feiticeira viu sua pequena e aconchegante casa em chamas. Não tinha como voltar.
Ela se lembrou desse dia, lembrou do carinho, da ternura e do amor que tinha com aquele camponês.
Em consequência de tudo, suas vestes havia virado trapo, seu cabelo estava muito sujo e seu ventre doía. Nele, havia o fruto daquela união, um fruto de um amor que ela não pode ter vivido. Maltratada por todos, ela sentia que não havia muito mais o que fazer, muito menos criar uma criança no meio de todo aquele inferno. As pessoas falavam tanto que ela iria para o inferno, mas ela já estava nele.
As pessoas falavam tanto que ela era a encarnação do próprio demônio, mas os demônios viviam dentro das pessoas.
Sem esperança, com dor e com muita tristeza, a feiticeira foi a caminho da floresta da parte detrás da cidade, onde existem as mais belas árvores e flores.
Chegando em um ponto consideravelmente afastado da cidade, andando e cambaleando, ela encontrou uma árvore muito grande, de raízes grossas, folhas bem verdes e que oferecia um vento bom. Um vento suave que lembrava o toque das mãos do camponês em seus belos cabelos.
Deitando próximo ao tronco, a feiticeira fechou seus olhos e pediu para que o seu sofrimento, juntamente com o seu fruto, fosse cessado. A natureza a escutou.
A feiticeira dormiu.
Dormiu para sempre.
Ela, o fruto no seu ventre e a natureza se transformaram em um só. Há quem diga que, no lugar na qual a feiticeira dormiu eternamente, se encontram duas das mais belas flores da floresta, exalando os mais doces dos perfumes. Há quem diga que ali, jaz uma família que finalmente conseguiu se juntar e ser feliz.